domingo, 15 de março de 2009

Um dos textos lidos no último sarau chamou muito a atenção, pois além da fina ironia, é pungente, delicioso de ler/ver/ouvir. E o melhor, o autor é daqui de pertinho, Teo Lopes Andrade:


dona mirdezinha


É uma “véinha” “umirde” – diziam outras velhinhas humildes em relação àquela simpática senhorinha que perambulava pela praça sempre ao meio-dia, nunca cedo ou de tardezinha, porque ela ficava acanhada em exibir uma sombra muito grande.

Quando era convidada para um almoço, ela se encolhia na cadeira, sem coragem para se servir, os olhinhos atarracados ao chão por causa do medo de esbarrarem na comida sem serem convidados.

- A senhora quer arroz, dona Mirdezinha?

- Dois grãos, por favor.

- E frango?

- Pode ser um ossinho.

- Feijão, dona Mirdezinha?

- Só um caldinho, filho.

A voz, milimétrica, dificilmente percorria a longa distância até a cabeceira da mesa. Às vezes, o dono da casa pedia para alguém reforçar suas palavrinhas:

- E então, o que ela disse? Quer refrigerante?

- Meio dedo.

Agora mesmo, lá vai ela, andando tão devagar que parece não sair do lugar, escondendo toda a sua sombra sob as chinelinhas trinta e três. De vez em quando, acena para alguém um cumprimento que cabe dentro de um centímetro. Dona Mirdezinha é professora de gestos em miniatura.

Atenção! Ela acaba de se assustar com uma musiquinha inesperada. Remexe na bolsa e encontra um pequenino celular entre duas moedinhas de um centavo. Fala, escuta, parece que a notícia é boa. Pelo jeito, acabaram as reformas na sua casa de praia.

- Espera aí! Casa de praia, dona Mirdezinha?

- Não é não, filho. Dois “tijolinho” só, num quadradinho de areia...

(do livro acaba em romã – teo lopes andrade – pag. 79 – Ribeirão gráfica editores - rge@francanet.com.br)

Não é ótimo? Melhor ainda com a leitura dramatizada feita pela Tina. Andei até pensando, a gente sempre se depara com uma dona mirdezinha. Enquanto sentimos pena...

Um comentário:

  1. E nao se engane, pois em Veneza, caminhar requer silencio, ainda que a maré de turistas atrapalhe um pouco, o principal é caminhar em silencio e apenas olhar... e reconhecer o passado que se preserva ali na Laguna Veneziana... espero um dia podermos passear juntas por ali... baci...

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