domingo, 5 de abril de 2009

Pecando no call center


Quase encerrando o tema dos Pecados Capitais, afinal a Páscoa se aproxima, apresentamos mais um dos textos lidos no último sarau. O Marcio Mancini e a Adriana Oliveira Nascimento levaram os pecadores ao riso, tenho certeza de que muitos já passaram por isso:



Pecados capitais é o assunto de hoje e por isso recorremos a uma situação rotineira para exemplificar cada um deles: uma tarde de trabalho num CALL CENTER. Você já ligou para algum? Então sabe como é, não é mesmo? Podemos começar?

“Obrigado por ligar para nossos serviços de atendimento ao cliente! Para notas extraviadas, disque 1. Para segunda via de carnê de pagamento, disque 2. Para atraso na entrega de sua mercadoria, disque 3. Para nenhuma dessas opções, disque 4. Ou aguarde o atendimento!”. Isso é pra deixar a pessoa bem irritada, porque quanto mais irritada mais pecados ela vai cometer e aí a gente pode começar a falar sobre o assunto.

Bem., começa assim, você deixa a pessoa lá esperando um pouco. Tempos depois você atende como se estivesse com pressa, não deixa nem a pessoa respirar: “Serviço de atendimento ao cliente, um minutinho que eu já volto!”

É nessa hora que devemos apertar a tecla “mute” e deixar tocando aquela musiquinha tão amável. Aí você deixa, deixa um tempão, deu uns 15 minutos, você volta, bem eficiente: “Atendente Paulo, no que posso ajudá-lo?”. A pobre criatura começa: “Eu comprei um celular há duas semanas e ele está com defeito. É com você que eu devo falar?”.

“Qual o defeito do seu aparelho?”. Perguntamos da forma mais neutra possível, enquanto arrumamos os lápis de acordo com o tamanho e a cor.

“Quanto tempo deve durar a carga da minha bateria?”

“A sua bateria ou a do celular?”. A gente até tenta ser simpático.

“O Sr. Poderia me respeitar?”. Aqui já podemos vislumbrar o pecador. È momento de afinar o trato, de mudar de posição na cadeira:

“Para exigir respeito, vou estar encaminhado a sra. para o setor de Relacionamento Interpessoal. Um momento por favor!”. É quando a gente coloca de novo aquela musiquinha que os clientes tanto amam.

“Atendente Marcos, no que posso ajudá-lo?”

“Então, eu comprei um celular há duas semanas e ele está com defeito. É com você que eu devo tratar o assunto?” Já dá para perceber uma leve irritação.

“Não, você deve tratar esse defeito no setor técnico. Um momento por favor!” De novo a musiquinha.

“Atendente Paulo, no que posso ajudá-lo?” Outra vez a voz totalmente neutra, postura inabalável.

“Ooooow Paulo! Eu comprei um celular há duas semanas e ele está com defeito.” Ui! Já começa a tensão.

“Você tem certeza que ele está com defeito?” Tom de preocupação na voz, um triz de ironia.

“Você acha que eu não sei como funciona um celular? Eu entendo muito bem de aparelhos eletrônicos, e por acaso você sabe com quem esta falando?”. Ótimo, conseguimos, a pessoa já demonstra o que é a SOBERBA. Alá a garota, a garota se acha.

“Como eu poderia saber se você não me falou?”. Voz suave mas num tom levemente ofendido.

“Olha aqui, se eu estivesse no seu lugar, com certeza saberia tratar muito bem uma pessoa, apesar de não trabalhar com o publico, coisa que nem gostaria de fazer, eu tenho educação. Agora, se eu tivesse a oportunidade de estar aí, saberia desempenhar muito bem meu papel, diferente de você! Eu quero falar com seu superior!”.

“Um momento por favor!” Olha como conhecemos uma pessoa facilmente quando ela está irritada, mais um pecado aparece: A INVEJA. Desejar o emprego dos outros, vê se pode! Com certeza deve estar desempregada e vai querer fazer uma reclamação para se auto-promover.

“Atendente Júlio, no que posso ajudá-lo?”

“Moço, sabe que que é? Eu tenho um aparelhinho de celular comprado somente a duas semanas e ele está com um defeitinho bem aqui. Eu acho, moço, que é a bateria que está descarregando, será que você poderia vir aqui me ajudar e me dar uma mãozinha?” Olha aí a tipinha cometendo outro pecado, agora ataca de LUXÚRIA, é lógico que ela ia dar em cima do chefe além de conseguir resolver seu problema, já arrumaria um partidão.

“Claro, podemos te ajudar, mas para esse serviço será debitado uma taxa extra. Vou estar transferindo você para o setor de cobrança!” È só manter o ar blasê, nada de alteração.

“Atendente Davi, boa noite! Recebi no meu sistema o serviço de manutenção domiciliar, do qual será debitado o valor de R$ 253,00 reais, dentro de 24 horas o valor será automaticamente debitado de sua conta corrente. Posso ajudar em algo mais?”

“O Sr. Está ficando louco? Além de ter que gastar pra comprar um celular, você ainda quer me cobrar uma taxa de 253,00 reais pela manutenção? Eu só ligo a cobrar pra não ter que pagar a conta e o sr ainda vem me extorquir um dinheiro que nem tenho?”. Já completamente ensandecida, mostra o total apego aos bens materiais, criatura AVARENTA!

“Então eu vou transferir você para o setor de atendimento ao cliente. Um momento por favor!”.

“Atendente Paulo em que posso ajudá-lo?”

“Escuta aqui, Paulo! Estou no telefone há 58 minutos, tentando resolver a merda de um problema na bosta de um celular, você já me transferiu pra nem sei quantas pessoas e ninguém, nesse bando de gente incompetente, conseguiu resolver uma questão tão simples! No que pode ajudar? Poderia começar me pedindo desculpas!”. Olha a IRA aí gente!

“Sra., retorne a sua ligação após 72 horas! Quem sabe até lá seu aparelho não volte a funcionar e essa questão não se resolva sozinha. Assim não existirá nenhum esforço de ambas as partes!”. Agora vale uma alteradazinha na voz, um tantinho mais alta.

“Você é um grande preguiçoso!!! Vou cancelar a compra do meu aparelho, porque eu, bonita e gostosa desse jeito, não preciso me rebaixar ao seu nível, porque se eu estivesse no seu lugar, não precisaria passar por tanto nervoso! Usaria esse tempo que fiquei no telefone deitada, descansando, coisa que adoro fazer! Aliás, vou pegar todo o dinheiro que é meu para ir a um rodízio de pizza! Vou comer até explodir, já que no Brasil tudo acaba em pizza mesmo!”. Estão vendo, perdeu a compostura de vez, nem da GULA escapou.

“Senhora, posso ajudar em mais alguma coisa? Senhora? Senhora?”. Às vezes a criatura desliga, por que será?

Márcio Mancini

02 de Março de 2009